Yoshiwara era o distrito dos prazeres oficial da capital Edo, onde cidadãos endinheirados se empanturravam de banquetes e relações sexuais enquanto suas garotas de programa contraíam doenças venéreas e se alimentavam de picles podres — quando havia comida.
A mídia japonesa costuma romancear o período Edo (1603-1868), e é fácil entender o porquê. Situada entre os sangrentos séculos de guerras civis e a rápida industrialização sob influência ocidental, a época tende a ser considerada um idílico interlúdio em que o país estava livre de conflitos internos e, graças à política isolacionista, de problemas de ordem mundial. Assim, no imaginário popular, mesmo seus bordéis são julgados sob um prisma bucólico: romances históricos, mangás, filmes e animês apresentam prostitutas perspicazes e sedutoras, em vidas glamorosas e dissipadas.
A realidade, contudo, era outra. Prova disso é o excerto de um diário que apresenta a dieta de uma garota de programa de Yoshiwara entre os dias 7 de março e 6 de abril de 1850.
7 de março
manhã: picles estragados e ochazuke [arroz sobre o qual é derramado chá verde]
noite: mingau de arroz e cabeça de salmão
8 de março
manhã: arroz morno com picles estragados
noite: jejum
9 de março
manhã: mingau de arroz e vegetais
noite: picles e ochazuke
10 de março
manhã: [não há registro]
noite: [não há registro]
11 de março
manhã: picles e ochazuke
noite: moluscos cozidos
12 de março
manhã: picles e ochazuke
noite: picles passados e ochazuke
13 de março
manhã: mingau de arroz
noite: raiz de aipo mitsuba assada
14 de março
manhã: mingau de arroz
noite: [não há registro]
15 de março
manhã: jejum
noite: jejum
16 de março
manhã: jejum
noite: jejum
17 de março
manhã: mingau de arroz com folhas secas de rabanete daikon
noite: jejum (mas comi grãos torrados e bebi saquê em segredo)
18 de março
manhã: picles e ochazuke
noite: picles e ochazuke
19 de março
manhã: jejum shiodashi [a fim de receber uma bênção desejada]
noite: picles e ochazuke
20 de março
manhã: picles estragados e ochazuke
noite: sopa de moluscos e arroz
21 de março
manhã: jejum (não acordei em tempo)
noite: sopa de moluscos e arroz morno
22 de março
manhã: jejum (não acordei em tempo)
noite: picles e ochazuke
23 de março
manhã: mingau de arroz e picles
noite: mingau de arroz e picles
24 de março
manhã: sopa de batatas e arroz morno
noite: mingau de arroz com batatas (sem picles)
25 de março
manhã: [não há registro]
noite: picles e ochazuke
26 de março
manhã: mingau de arroz com batatas
noite: picles e ochazuke
27 de março
manhã: arroz morno e picles
noite: ochazuke
28 de março
manhã: picles e ochazuke
noite: foi-me permitido comer duas sardinhas e beber saquê
29 de março
manhã: jejum (não acordei em tempo)
noite: mingau de arroz
30 de março
manhã: arroz morno e picles
noite: ochazuke
1º de abril
manhã: sopa de rabanete e arroz morno
noite: mingau de arroz
2 de abril
manhã: picles e ochazuke
noite: picles e ochazuke
3 de abril
manhã: picles e ochazuke
noite: picles e ochazuke
4 de abril
manhã: picles e ochazuke
noite: picles e ochazuke
5 de abril
manhã: sopa de cevada
noite: picles e ochazuke
6 de abril
manhã: sopa de cevada e moluscos
noite: [não há registro]
Importante lembrar que, em 1850, a dieta dos japoneses consistia em maiores quantidades de arroz e picles. Carne bovina, suína e de frango não costumavam figurar à mesa do cidadão comum. A temperatura morna do arroz tampouco era um perrengue exclusivo das prostitutas. Afinal, tratava-se de uma época sem eletricidade, de modo que preparar uma panela de arroz não era rápido e simples, e reaquecer sobras nem sempre era viável, razão pela qual acabava-se substituindo o arroz morno por mingaus ou ochazuke.
Dito isso, ainda surpreende que, em um único mês, o diário da jovem apresente diversas ocasiões de jejum (nove), algumas por dormir além do horário, muito provavelmente devido à exaustão da noite anterior. Também existem ocorrências em que a garota se alimenta de picles estragados, menos desagradáveis que folhas secas de rabanete ou cabeças de salmão.
A expectativa de vida de uma prostituta do período Edo era de vinte anos. Claro, a expectativa de vida em geral era muito menor no Japão de 1850 do que hoje, mas, mesmo assim, o número é incrivelmente baixo. Isso não significa que as prostitutas morriam de fome, mas que estavam acostumadas a refeições esporádicas e de pequeno valor nutricional, pouco recomendável a adolescentes em fase de crescimento, em uma profissão extenuante à saúde física e mental.
https://soranews24.com/2020/12/01/the-depressing-diet-of-a-tokyo-prostitute-during-japans-edo-period/
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