Em 1794, aos 34 anos, Hokusai abandona a escola Katsukawa 勝川派 após uma década e meia de aprendizado. A razão permanece um mistério. Há quem diga ter sido expulso. Fofocas de lado, o interesse crescente do artista em explorar novas técnicas eventualmente o afastaria da rigidez imposta aos discípulos de um ateliê.
No ano seguinte, passou a assinar suas obras Tawaraya Sori 俵屋宗理, sendo Tawaraya o nome de uma escola de baixa relevância. Não existem registros que elucidem a natureza do vínculo, porém fato é que, desde então, a carreira de Hokusai seguiria um trajeto peculiar, bastante distinto daquele dos demais artistas de ukiyo-e 浮世絵.
Uma das mudanças mais significativas aconteceu no estilo, tão pronunciada e veloz que quase sugere outro artista, passível graças à transição de Shunro 春朗 para Sori 宗理 e às possibilidades desveladas com a libertação das restrições exigidas por Katsukawa Shunsho 勝川春章.
Também houve uma guinada no tipo de trabalho produzido. O período Shunro foi pautado por xilogravuras coloridas nishiki-e 錦絵, em especial de atores do cabúqui 歌舞伎, e ilustrações para livros. Na fase Sori, cresceu o número de pinturas e publicações surimono 刷り物 e kyoka ehon 狂歌絵本, patrocinadas por poetas ou grupos de poesia, com a utilização de pigmentos e papéis de alto custo, além de cuidados especiais no entalhar dos blocos de madeira e impressão, o que permitiu a Hokusai vislumbrar novos horizontes para sua arte.
A imagem, um dos mais belos surimono de Hokusai, apresenta Sakata Kintoki 坂田金時 — nome adulto de Kintaro 金太郎, o lendário menino-hércules japonês — no distrito dos prazeres 遊廓, paparicado por três garotas de programa e uma criança-aprendiz. Uma das moças completa a descomunal taça de saquê, que, por meio da inscrição na parte superior, descobre-se ser do tipo toso 屠蘇, tradicionalmente bebido no ano-novo para trazer bons auspícios.
Título: Kintoki to bijin no toso 金時と美人の屠蘇 (c. 1796-97)
Artista: Tawaraya Sori 俵屋宗理 / Katsushika Hokusai 葛飾北斎 (1760-1849)
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