Em 6 de junho de 699 d.C., por decreto imperial, o monge En no Gyoja 役行者 (634-c.705 d.C.) foi banido da capital e condenado ao exílio em Izu Oshima 伊豆大島, ilha vulcânica do arquipélago de Izu 伊豆諸島, ao sul da ilha principal Honshu 本州. De acordo com os detratores, Gyoja seria capaz de enfeitiçar, e portanto manipular, entidades demoníacas.
Glória, Buda.
En no Gyoja é fundador da Shugendo 修験道, ramificação sincrética do budismo esotérico praticada por yamabushi 山伏, ascetas que acreditavam na existência de dois planos existenciais, um terreno e outro etéreo, e que as montanhas seriam o espaço onde sagrado e profano se embaralhariam, razão pela qual optaram por ali construir seus monastérios e terem deusas e deuses como vizinhos.
Além da leitura de sutras e dos festivais tradicionais, os rituais da Shugendo incluíam oráculos e presságios, períodos extensos de abstinência, longas horas de meditação, possessões e exorcismos. Tratava-se das nyubu shugyo 入峰修行, práticas que almejavam a fusão espiritual com Fudo Myoo 不動明王, principal divindade do panteão. Então, unha e carne com Fudo Myoo, os yamabushi deveriam demonstrar os genjutsu 験術, superpoderes adquiridos. Para tal, caminhavam sobre carvões em brasa ou lâminas de catana, penduravam-se sobre perigosos penhascos e mergulhavam em tonéis com água fervente.
En no Gyoja foi supostamente o primeiro homem a escalar o monte Fuji, façanha realizada enquanto cumpria exílio na ilha de Izu Oshima entre os anos de 699 e 701 d.C. Isso na teoria, porque o primeiro registro só aconteceu quatro séculos depois, em 1149, e diz respeito ao monge yamabushi Matsudai 末代上人. Fica a questão. De qualquer maneira, conforme estabelecido em sua sentença, durante o dia Gyoja permanecia comportado, porém à noite pairava por sobre as águas e percorria os 89 quilômetros que o separavam do monte Fuji, flutuando até o cume da montanha para meditar.
Cadê tornozeleira?!
Descalço dos tamancos de madeira geta 下駄, o asceta se encontra sentado em uma esteira de palha com as pernas trançadas em posição de lótus. Suas vestimentas e rosário são fustigados pelo vento frio e cortante, um cerol, porém o santo homem permanece impávido. Suas mãos executam o gesto protetor correspondente à espada de Fudo Myoo — afinal, da fumaça expelida pela cratera, surgem quinze espíritos malignos oni 鬼 que dariam medo, não parecessem ursinhos carinhosos.
Responsável por erguer um muro entre xintoísmo e budismo, o governo Meiji 明治政府 (1868-1912) proibiu a existência da Shugendo em 1872, ordem revogada após a Segunda Guerra Mundial, com o advento da liberdade de culto no Japão.
Título: En no Ubasoku Fugaku soso 役優婆塞富嶽草創
Série: Fugaku hyakkei 富嶽百景 (1834)
Artista: Katsushika Hokusai 葛飾北斎 (1760-1849)
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